ELES PERMANECERAM FIRMES COMO SE VISSEM O INVISÍVEL...

Depois de um mês cheio de memórias de santos populares, começamos julho festejando São Pedro e São Paulo. Como sempre, é preciso respeitar e partir da piedade popular, mas também escutar o testemunho das Escrituras e chegar à vida real, com suas possibilidades e desafios. Se é verdade que Pedro é o primeiro líder dos cristãos e Paulo é o apóstolo dos povos, não podemos esquecer que ambos, cada um a seu modo e a seu tempo, foram discípulos de Jesus e passaram por sucessivas crises e dificuldades, provaram a prisão e foram martirizados. Eles fazem parte daquela ‘nuvem de testemunhas’ da qual fala a Carta aos Hebreus (12,1): viveram e morreram firmes na fé, como se vissem o invisível (cf. Hb 11,13.27). Escutemos e acolhamos com reverência o testemunho destes nossos irmãos maiores, colunas que sustentam e vidas que interpelam as comunidades cristãs de hoje.
 “Enquanto Pedro era mantido na prisão...”
O primeiro Papa foi presidiário! Esqueçamos por um instante a cena contada por Mateus e centremos nossa atenção no acontecido narrado nos Antos dos Apóstolos. Herodes maltratava os cristãos e havia mandado matar à espada Tiago. Percebendo que isso agradava aos judeus, aproveitou para aumentar sua baixa popularidade e mandou prender Pedro, providenciou uma guarda competente e de confiança e permitiu-se festejar tranquila e cinicamente a páscoa judaica.
Para que serviam a Pedro as chaves prometidas por Jesus Cristo se não ajudavam a soltar as algemas que o prendiam ou abrir a porta da prisão, mantida sob rigorosa vigilância? Pedro estava imerso na penumbra destas e outras perguntas quando uma luz iluminou a cela, uma mão tocou seu ombro e uma voz ordenou que se levantasse depressa. As algemas que o prendiam caíram no chão, os guardas que vigiavam não viram nada e a porta que separava a cela da cidade se abriram sozinhas...
Em vez de centrar nossa atenção nos aspectos miraculosos, fixemo-nos na condição de vida de Pedro e dos demais irmãos na fé. Acusados publicamente, apedrejados nas praças, trancafiados nas prisões, degolados a fio de espada. Mas nada disso tinha o poder de calar a voz ou deter a ação. Que diferença de uma Igreja que faz o sucessor de Pedro desfilar no papa-móvel sob aclamações como ‘Cristo venceu, Cristo reina, Cristo impera’ e procura protegê-lo hermeticamente das críticas da imprensa. Às vezes penso que o sucessor de Pedro é prisioneiro da própria Cúria e suas tradições...
“Chegou o tempo da minha partida...”
Paulo, por sua vez, foi denunciado, perseguido, encarcerado e finalmente executado. Depois de ter sido um fariseu zeloso e violento e de ter acumulado muitos méritos e honras por causa disso, Paulo fez a experiência de ser conquistado por Jesus Cristo e, diante do bem supremo desta acolhida gratuita e imerecida, considerou tudo o mais como lixo e déficit na contabilidade da vida (cf. Fil 3,1-14) e se lançou incansavelmente no anúncio desta boa notícia, especialmente às pessoas de origem pagã.
O zelo e o ardor que Paulo demonstrara pelo judaísmo se transformou em zelo pela fé em Jesus Cristo. Mas isso provocou desconfiança por parte dos próprios cristãos e ódio por parte dos seus irmãos judeus. Para resumir esta história que conhecemos bem, depois de sucessivos enfrentamentos e perseguições, Paulo também acabou na prisão. Sendo cidadão romano, exigiu o direito de ser julgado decentemente em Roma, e para lá foi conduzido.
Mas ninguém conseguiu colocar sob algemas aquilo que o fazia livre: a Boa Notícia de Jesus Cristo. “Por ele, eu tenho sofrido até ser acorrentado como um malfeitor. Mas a Palavra de Deus não está acorrentada” (2Tm 2,9). Paulo sabia muito bem em quem colocara sua confiança, não se envergonhava de compartilhar a sorte dos encarcerados e pedia que ninguém se envergonhasse dele ou de testemunhar a favor de Jesus Cristo, que também foi preso e condenado (cf. 2Tm 1,8).
“A Igreja orava continuamente a Deus por ele.”
Pedro e Paulo são filhos, irmãos e pais da fé numa Igreja que confirmou com a vida aquilo que anunciou com as palavras. De um lado, Pedro, Paulo e os demais cristãos detidos mantinham contato com as suas comunidades de base, inclusive através de cartas às suas principais lideranças; de outro, as comunidades não ficavam indiferentes, apesar da crise de fé provocada por uma perseguição feita em nome de Deus e da religião e dos riscos políticos e sociais que que estas relações implicavam.
O vínculo entre a comunidade dos discípulos e discípulas e seus líderes presos se mostra de um modo singelo e comovente no relato dos Atos dos Apóstolos. “Enquanto Pedro era mantido na prisão, a Igreja orava continuamente por ele.” Um pouco antes, quando Pedro e João haviam sido liberados da prisão, a comunidade pedia em oração: “Agora, Senhor, olha as ameaças que fazem, e concede que teus servos anunciem corajosamente a tua Palavra” (At 4,29). A Igreja pede coragem, e não tranquilidade.
Pedro faz a profunda experiência da presença fiel de Deus na prisão. Saindo do cárcere, vai à casa da mãe de João Marcos, onde a comunidade estava reunida em oração. Quando Rosa, a mãe de Marcos, abre a porta e vê que é Pedro, é tomada de tamanha alegria que o deixa plantado do lado de fora e vai anunciar à comunidade reunida, e esta pensa que Rosa está doida. Aberta a porta, Pedro entra e conta entusiasmado o que havia acontecido, e depois recolhe-se num lugar escondido.
“Tu és o Messias, o Cristo, o Filho do Deus vivo!”
O que sustenta as Igrejas e comunidades cristãs é o encontro com Deus em Jesus Cristo. O que o evangelho de hoje nos propõe é substancialmente isso. Num lugar marcado pela influência e pelo domínio estrangeiro (a cidade se chamava Cesaréia e depois Neronias!!!), Jesus faz uma pergunta, que é central no terceiro bloco narrativo de Mateus (11,2-16,20). E esta é a primeira vez que um discípulo o reconhece e proclama Messias, embora um pouco antes, depois da tempestade acalmada, todos os discípulos haviam proclamado, de joelhos: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus” (Mt 14,33).
Não esqueçamos que, mesmo sem rejeitar a confissão de Pedro e dos demais discípulos, Jesus chama a si mesmo Filho do Homem, e não  Filho de Deus (cf. Mt 11,19; 12,8; 12,32), acentuando assim seus vínculos com a humanidade. Só quem está aberto e sintonizado com a lógica de Deus pode reconhecer a presença de Deus nas ações e palavras deste filho da humanidade e irmão de todos os seres humanos, e esta é a base sólida sobre a qual Jesus Cristo constrói a comunidade cristã, literalmente, a assembléia dos chamados. “Não foi um ser humano que te revelou isso...”
Da experiência de fé e da adesão a Jesus Cristo brota a missão. As lideranças e comunidades que conseguem dar este passo recebem as chaves do Reino de Deus, ou seja: a missão de continuar a tarefa libertadora de Jesus. A imagem das chaves e a metáfora ligar-desligar estão relacionadas a esta missão de construir o Reino de Deus na perspectiva das Escrituras e do caminho trilhado e proposto por Jesus Cristo, enfrentando conflitos mas jamais sucumbindo. Quem recebe as chaves da porta do Reino de Deus não teme as portas do inferno. Até a prisão pode ser uma oportunidade de evangelização...
“O Senhor veio em meu auxílio e me deu forças.”
Crer, confiar, partilhar e anunciar: estes são os verbos essenciais da gramática dos cristãos. Só chega à meta estabelecida quem conjuga estes verbos em todos os tempos, modos e pessoas e percorre estas etapas. Escrevendo a Timóteo desde a cela da prisão, Paulo faz um balanço da sua vida e suas palavras são eloquentes e comoventes: “Chegou o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé.” Um pouco antes, havia escrito: “Estou suportando também os sofrimentos presentes, mas não me envergonho. Sei em quem acreditei” (2Tm 1,12).
Os santos e santas são filhos da Igreja, os mais belos entre seus frutos: profetas, mártires, confessores/as, construtores/as de uma terra renovada na qual a Justiça faz morada (cf. 2Pd 3,13). Mas são também pais e mães da Igreja, gente que aceita gerar no sofrimento e na alegria uma assembléia de irmãos e irmãs, de homens e mulheres convocados/as e convocadores/as, amigos/as entre si e solidários/as com todas as vítimas e sofredores, em permanente ritmo de missão.
A glória dos santos e santas não vem dous milagres mais ou menos forçados ou das honras e aplausos encomendados, mas do Deus vivo, e por isso os humildes que os vêm podem se alegrar. Quem reconhece o Filho de Deus encarnado na humanidade não está livre das dificuldades, mas sabe que “o anjo de Deus acampa em volta dos que o temem”, como diz o Salmo. Por isso, feliz a pessoa que nele crê e espera: viverá firme como quem vê o invisível.
Pe. Itacir Brassiani msf

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