ASCENSÃO: RECONHECIMENTO DA HUMANIDADE E DIVINDADE DE JESUS.

Em geral, ascensão lembra um movimento de subida, de elevação, de distanciamento e superioridade a um nível comum e geral. Seria isso o que pretendemos dizer quando proclamamos a ascensão de Jesus Cristo? Ele teria subido ao céu, afastando-se da terra e distanciado-se do comum dos mortais?  Mas a ascensão é também uma metáfora que ajuda a expressar a idéia e a experiência de ser destacado, promovido, e reconhecido. Parece ser este o sentido original e mais profundo da boa notícia pregada pelos cristãos a respeito de Jesus: a ascensão é uma outra forma de proclamar a ressurreição de Jesus de Nazaré, de afirmar que a pedra rejeitada pelos construtores tornou-se a pedra principal, de renovar nossa adesão a ele e nosso engajamento na sua missão.
“Para que conheçam a esperança à qual ele vos chama...”
Conhecemos pessoas que perderam a esperança própria do cristanismo: repetem ritos e mais ritos, movidas pelo medo e desejosas de aplacar a ira de um deus feito à imagem e semelhança dos ditadores sanguinários; somam terços, novenas e missas tentando fugir das armadilhas do mundo e ganhar uma suspeita eternidade; multiplicam rezas e devoções para evitar o compromisso com uma libertação que se realiza na história. Uma vida assim desventurada pode ser chamada de cristã?
São Paulo deseja que o Espírito Santo nos revele Deus em sua amável nudez e nos ajude a conhecê-lo em sua profundidade. Conhecer Deus assim como ele se revelou em Jesus de Nazaré significa reconhecer e assimilar a esperança para a qual nos chamou e a herança gloriosa que nos deixou: a de ser seu corpo vivo na história, corpo sob o qual tudo o mais foi colocado e acima do qual nada de significativo existe, fora o próprio mistério de Deus.
Este Jesus Cristo no qual cremos e em nome do qual vivemos não é um espírito que se compraz em esvoaçar acima do mundo. Ele compartilhou conosco a corporeidade e sentiu fome; experimentou conosco a busca e a sede; dividiu conosco a angústia e a ternura; provou como nós o mel do amor e o fel da traição; abriu conosco e para nós um caminho de vida no frio corredor da morte; espalhou sementes de liberdade nas terras infectadas pela erva daninha da indiferença.
 “Por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?”
É mesquinha a visão que diz que a vida cristã se resume na aceitação resignada de uma doutrina, na harmonia simples e sedutora do cântico gregoriano, na beleza simbólica e profunda dos sacramentos, no suspiro pelo descanso eterno depois de uma vida atribulada. A vida cristã é muito mais que a contemplação extática da plenitude celeste. Os cristãos somos chamados a ser membros do corpo de Cristo, irmãos e irmãs na fraterna comunidade, sacramento da sua liberdade e profecia.
Os discípulos e discípulas de Jesus Cristo não podem resumir sua vida na simples contemplação de alguém que subiu ao céu, mesmo que este alguém seja o próprio Jesus Cristo. “Por que ficais aqui, parados, olhando para o céu?” Professando a ascensão de Jesus, a comunidade cristã quer ressaltar mais uma vez que aquele corpo humano e marcado pelo trabalho, este homem constestado e condenado é assumido e reconhecido pelo próprio Deus como a expressão plena e cabal de si mesmo.
Mas a ascensão não é algo que tem a ver apenas com Jesus de Nazaré. Ele é o primogênito de muitos irmãos e irmãs. Ele é a cabeça de um corpo composto de muitos e variados membros. À glorificação do primogênito segue a honra dos seus irmãos e irmãs, começando pelos considerados menores. À elevação da cabeça segue o reconhecimento da dignidade daqueles que realizam sua vontade. E isso não vale só para um futuro incerto: é fato e convicção já agora.
“Recebereis o poder do Espírito Santo para serdes minhas testemunhas...”
Isso significa também que a ascensão de Jesus Cristo não é apenas o fim de sua presença no meio de nós: é também o início de nossa missão em seu nome. A liturgia da ascensão está inteiramente focada nesta responsabilidade intransferível e inadiável da comunidade cristã. Profundamente convictos de que o Crucificado foi exaltado, os cristãos vencem o medo de tudo e se tornam testemunhas de Jesus Cristo no coração do mundo e nos pulmões da história. E, nesta missão, se recusam a reconhecer fronteiras políticas e culturais e não se intimidam diante da própria fraqueza.
Este testemunho, sendo uma forma de manter viva a memória de Jesus de Nazaré, tem força de transformação. Trata-se de ostentar em nosso corpo as marcas de Jesus Cristo: sentir o que ele sentiu; amar como ele amou; sonhar como ele sonhou; viver como ele viveu; servir os últimos e desafiar os poderes como ele fez. Ser testemunha é anunciar Jesus Cristo e defender aqueles por quem ele deu a vida, é atestar a veracidade do seu caminho e a beleza do seu projeto de vida.
Mas este testemunho não é apenas uma questão de vontade ou de mera imposição. É o próprio Sopro de Deus que nos faz testemunhas: aquele mesmo Espírito que cria tudo a partir da massa informe e vazia; que transforma um monte de ossos secos num povo que caminha e luta; que gera vida no ventre virgem de uma mulher; que une num mesmo objetivo os diferentes membros do corpo; que suscita a profecia num grupo de medrosos e torna ativa e frutuosa uma comunidade antes dependente.
“Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos.”
Como comunidade de irmãos e irmãs, este povo novo que chamamos Igreja, é constituído testemunha “em Jerusalém, na Judéia, na Samaria e até os confins do mundo”. Aqui e em todos os cantos da terra. A missão não tem fronteiras, o testemunho não conhece limites. Ser missionário é sair de si, apenas sair de si, mas sempre sair de si. E isso supõe deixar de pensar que somos maiores e melhores que os outros. E ter presente que o que temos a oferecer é um caminho de discipulado, de busca de Deus e seu Reino.
A referência da missão não somos nós individualmente, nem simplesmente a Igreja. Somente em Jesus Cristo repousa a autoridade no céu e na terra, e diante dele todos dobramos os joelhos. E não esquecemos que esta autoridade lhe vem da fidelidade até à cruz, e não da submissão à lógica do mundo, como lhe fora proposto pelo tentador (cf. Mt 4,8). É dele que recebemos a ordem de partir mundo como ovelhas entre lobos, como embaixadores de um novo céu e uma nova terra.
A palavra de Jesus Cristo atesta que sua ascensão não é um movimento de distanciamento em relação aos seus discípulos e discípulas, nem uma fuga do mundo e das suas tensões e disputas. “Estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos...” Todos os dias! E até que este mundo, graças à ação suscitada e sustentada nos cristãos pelo Espírito Santo, dê lugar a um outro mundo, àquele mundo sonhado e desejado por Deus desde sempre, ao Mundo Novo que é a finalidade da criação.
“Aclamem a Deus com gritos de alegria”
A ascensão de Jesus é a realização do cântico de Maria: Deus mostrou a força do seu braço elevando os humildes e derrubando os poderosos. É a confirmação da ensino de Jesus: os últimos para o mundo são os primeiros no Reino de Deus. É a validação da nossa esperança: a justiça e o amor são mais fortes do que a morte. É a mais nobre proclamação da dignidade dos sem-dignidade. É a descoberta da continuidade da missão de Jesus mediante o engajamento generoso daqueles/as que nele acreditam.
Que o Espirito Santo nos ajude a conhecer Deus em profundidade e nos liberte da tentação de reduzí-lo à pequena dimensão dos nossos medos e interesses pessoais e eclesiais (tão em moda ultimamente!). Movidos pelo Espírito, aclamemos com alegria jubilosa a manifestação de Deus na humanidade de Jesus de Nazaré e na comunidade dos discípulos e discípulas que ousam viver e agir em seu nome. Que ele ajude a Igreja a descobrir sua condição de corpo de Cristo, subordinada e obediente somente a ele.
Deus Pai e Mãe, mistério de amor que acolhe e envia, que gera comunhão e dispersa em missão, que une compaixão e justiça: aqui estamos reunidos/as para pedir que em nós se cumpra tua promessa. Envia à tua Igreja e a cada fiel o fogo do teu Espírito. Faze de nós uma comunidade em missão, um povo que congregue no seu seio todos os homens e mulheres de boa vontade, que seja uma imensa caravana empenhada no resgate da cidadania e da dignidade dos teus filhso e filhos, em todos os quadrantes da terra. Ajuda as Igrejas que nasceram do lado aberto do teu Filho crucificado a buscarem a unidade, sem superficilismos e sem desculpas. E não nos deixes cair na tentação do cinismo imperialista, da violência terrorista, da intolerância punitiva, da concorrência odiosa, da acomodação esterilizante. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf

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