CRER EM JESUS SIGNIFICA PARTICIPAR DA SUA AÇÃO LIBERTADORA.

Continuamos no tempo pascal. Na eucaristia fazemos memória da páscoa-passagem de Jesus nas inúmeras e infindas travessias que empreendemos. A ressurreição de Jesus não é o último raio de uma revelação ou o último parágrafo de uma sentença, mas o início de um novo caminho, um sinal que indica a proximidade da Vida. O dinamismo da ressurreição sugere transição e parto, desejo e iniciativa que partem da ausência, da inquietação e da dor. Aos poucos, um domingo após o outro, vamos sendo introduzidos na atitude de confiante súplica, de serena espera e de sincera abertura ao Espírito Santo. É ele quem sustentou Jesus Cristo em seu itinerário pascal, e é ele que hoje reúne, sustenta e envia o povo de Deus a fazer coisas grandes como fez Jesus, e coisas ainda maiores.
“Não se perturbe o vosso coração.”
O belo e sério diálogo de Jesus com seus discípulos, descrito hoje pelo evangelista, transcorre na noite da última ceia, após o gesto do lava-pés.  O clima é de sincera amizade e de apreensão frente às ameaças; de alegria de quem se entrega inteiramente e de dúvida de quem não consegue entender o caminho do serviço; de perturbação dos discípulos e sua também! É neste clima que Jesus fala de um lar cálido e com muitos lugares, do caminho para o Pai, da presença do Pai na sua vida e nas suas ações.
Como os discípulos depois da ceia de aliança e despedida, às vezes nos sentimos envolvidos por nuvens tenebrosas. Parece que o mundo não está disposto a hospedar lutadores/as que sonham uma nova sociedade, sofredores/as que querem saber as razões da dor, educadores/as que ensinam uma nova lição, profetas que anunciam uma nova estação, pesquisadores/as que anseiam por novos horizontes, crentes que sonham com uma outra Igreja. Onde encontrar moradas para tais homens e mulheres?
Outras vezes, mesmo que a vontade de caminhar não desapareça, o horizonte utópico se escurece e não sabemos o rumo que devemos seguir. Quando falta uma clara visão da meta, do tipo de sociedade e de Igreja que o Evangelho inspira, do perfil concreto do novo homem e da nova mulher, o desenho dos caminhos se desvanece, a luta se arrefece, a mente se escurece e a vida se empobrece. “Não sabemos para onde vais... Como poderíamos conhecer o caminho?”
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida”
Aos discípulos e discípulas de todos os tempos, desconcertados/as frente ao lava-pés e dominados/as pela sensação de que este caminho não tem futuro, Jesus promete: “Existem muitas moradas na casa do meu Pai”. E assim como Jesus se sente em casa junto do seu e nosso Pai, os discípulos e discípulas podemos estar seguros/as de que, no coração de Deus há um cantinho preparado para todos/as aqueles/as que ousam percorrer o caminho do êxodo rumo a uma terra onde a justiça beija a paz.
Quem quiser chegar ao Pai e ao mundo por ele sonhado tem um caminho seguro: é Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus, aquele que coloca os últimos em primeiro lugar, que acolhe enobrecido o perfume que uma mulher mal-vista derrama nos seus pés, que se reparte no pão, que se ajoelha para lavar os pés dos discípulos/as e até dos traidores, que nos ama como amigos e amigas, que perdoa o ladrão arrependido. Agir como ele agiu é caminho seguro que nos leva ao Pai.
Naquilo que diz e naquilo que faz, Jesus Cristo é a Verdade que nos acalma e enche de alegria. A verdade sobre a pessoa humana e sobre Deus. A verdade mais profunda do ser humano é sua capacidade de ternura e solidariedade. A verdade mais profunda de Deus é sua aliança e lealdade com o povo, sua companhia insuperável. Esta é uma verdade que exerce uma incrível atração sobre nós, nos lança para fora e para frente, e não é algo de que podemos nos apropriar.
 “Quem me vê, vê o Pai”
Para falar de Jesus, Pedro retoma a metáfora da pedra rejeitada pelos construtores, mas preciosa para Deus e para aqueles que acreditam nele. É incrível sua ousadia: aquele homem que os poderes do mundo rejeitaram é acolhido como mais digno e precioso por Deus e pelo povo de Deus; aquele homem crucificado e achincalhado é a própria imagem viva de Deus; naquele homem que sentou à mesa com pecadores, que defendeu prostitutas, que curou pessoas impuras estava vivo e ativo o próprio Deus.
Em tudo o que fez e viveu, inclusive no aparente abandono sofrido na cruz, Jesus estava no Pai e o Pai estava nele. Jesus aprendeu e ensinou aos seus discípulos/as que não há alimento mais saudável e nutritivo que realizar a vontade libertadora de Deus, e é isso que significa estar no Pai. Ele agiu sem medo, cansaço ou limites para resgatar a dignidade e a vida das pessoas necessitadas, e isso quer dizer que Deus estava nele. É por isso que, respondendo ao convite do salmista, exultamos de alegria.
Por mais paradoxal que pareça, somos convidados a crer em Jesus Cristo mais por causa daquilo que ele fez que por causa daquilo que ele disse. E aquilo que ele fez não foram principalmente ações grandiosas e obras imponentes: ele teve compaixão das pessoas vergadas sob opressões diversas, e por isso curou, perdoou, defendeu, lavou os pés, estendeu seus braços e abraçou a todos na cruz que lhe impuseram. É por causa destas obras divinamente humanas que nós acreditamos.
“Quem crê em mim fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores que estas.”
Na intuição de São Pedro, os discípulos e discípulas somos pedras vivas que, unidas a Jesus Cristo, a pedra angular, somos indispensáveis na construção do templo vivo no qual a vida plena é a mais bela oferta a Deus. Somos um povo comprado a preço de ouro por Deus, constituídos como povo eleito, sacerdócio de sangue real e nação santificada. Deus trata como povo amado e especial aqueles/as que os poderes e instituições tendem a considerar como nada ou uma nulidade.
Esta condição nós a recebemos de presente, mediante a fé, mas não automaticamente. A fé em Jesus Cristo precisa ser demonstrada nas ações concretas. Ou melhor, em ações que atualizam aqui e agora a ação libertadora de Jesus. É pelos frutos que se conhece a árvore e pela ação que se conhece o cristão. Dizendo que faremos as obras que ele fez e ainda maiores, Jesus não está prometendo um poder especial, mas propondo um critério de verificação.
Jesus Cristo tem esta incrível humildade de afirmar que a pessoa que acredita nele fará coisas maiores do que ele mesmo fez. Maiores porque mais extensas no tempo: ele viveu apenas 33 anos. Maiores porque mais amplas no espaço: ele não saiu da Palestina. Maiores porque a comunidade dos discípulos/as hoje ultrapassa os 12 membros. Maiores porque, na medida em que perseveramos num amor criativo e sem fronteiras, ele e o Pai estabelecem sua morada em nós e nos sustentam.
“Não está certo que nós abandonemos a pregação da Palavra de Deus...”
A comunidade apostólica nos mostra claramente que a fé em Jesus é dinamismo para agir e intuição para criar. Nenhuma pessoa necessitada deve ficar sem auxílio e nenhuma comunidade pode ficar sem anúncio da Boa Notícia. Como conjugar estes dois princípios? Descentralizar as responsabilidades, decidir em assembléia, inovar na organização, confiar na bondade e na criatividade das pessoas de fé e cheias do Espírito Santo.  Ou seja: a saída e a criatividade ministerial, a abertura às diversas vocações!
Assim, pelo testemunho do socorro aos pobres em suas necessidades e pelo anúncio explícito dos apóstolos, “a Palavra do Senhor se espalhava”. Se espalhou, correu o mundo, foi assimilada por pessoas e culturas e chegou até nós, em palavras e gestos. É esta palavra que ressoa hoje com sabor de novidade na celebração dominical, que se faz palpável na partilha do pão e do vinho, que se faz carne nos múltiplos gestos anônimos ou públicos de amor e serviço.
“O olhar do Senhor vigia sobre quem o teme, sobre quem espera na sua graça.”
Deus Pai e Mãe, presença ativa e encorajadora em Jesus e na comunidade daqueles/as que o seguem: dá-nos a criativa fidelidade e a responsável liberdade dos primeiros apóstolos. Afasta de nós o medo da inovação, o receio do engajamento no socorro às vítimas e na denúncia contra os que oprimem. Corrige na tua Igreja o mau-gosto de estar sempre ao lado dos poderosos e a tendência de pensar que a pluralidade vital é relativismo total. Não deixes que a tua Igreja se perturbe diante da complexidade, dos desafios e das possibilidades do mundo.  E ajuda-nos a continuar a obra de Jesus. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf

Nenhum comentário:

Postar um comentário