Convocados pela Palavra de Deus e alimentada pela Eucaristia, como comunidade cristã nos reunimos para celebrar o mistério da páscoa de Jesus Cristo em nossa vida. Mesmo quando se trata de uma festa mariana, como hoje, a referência permanece a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Em Maria a presença compassiva, solidária e libertadora de Deus resplandece e frutifica de um modo particular. E quando a lembramos com o nome de Nossa Senhora do Carmo, logo vem à nossa lembrança a experiência da presença e proteção materna em todos os sofrimentos, e não somente aqueles do purgatório, nem na hora da nossa morte! Reunimo-nos para contemplar Maria, mulher e mãe corajosa, que permanece de pé junto aos crucificados de todos os tempos.
“Ele nasceu de uma mulher, submetido à Lei...”
As comunidades cristãs católicas têm grande apreço por Maria de Nazaré, a mãe de Jesus. Este apreço se expressa nos muitos nomes que lhe damos e nas infinitas invocações que lhe dirigimos. Sua humana santidade é tão sublinhada que às vezes corremos o risco de arrancá-la do seu lugar histórico – que é entre os fiéis, dentro da comunidade eclesial – e situá-la num nível sobre-humano. E uma piedade pouco realista acaba por separá-la de José e de Jesus, sem os quais não podemos entendê-la.
A teologia católica sublinha, e nós acreditamos sinceramente, que Maria é, acima de tudo, mãe e educadora de Jesus de Nazaré, nosso Senhor. Na carta aos Gálatas Paulo insiste que o Messias nasceu de uma mulher. Com essa afirmação, quer sublinhar que Deus entra no mundo partir de baixo, da periferia, pela porta dos fundos, na carne dos oprimidos. Maria representa a humanidade desprezada, a parte da humanidade que não conta. Esta é a porta pela qual Deus entra no mundo!
Paulo insiste também na revolução teológica e antropológica patentes no nascimento do Messias através de Maria. Este nascimento revela a plenitude dos tempos, o máximo que a história humana pode dar de si mesma, a mais alta manifestação de Deus. E essa manifestação revela um Deus que se faz presente nos pequenos e desprezados e com eles sofre o peso da lei dos mais fortes. Daí a nossa esperança: “Eu acredito que o mundo será melhor quando o menor qeue padece acreditar no menor”.
“Uma nuvenzinha, do tamanho de uma mão...”
O que a breve passagem da história do profeta Elias tem a ver com a festa de Nossa Senhora do Carmo? Antes de tudo, ela nos lembra a força da oração. Num tempo de estiagem e muitos outros problemas, o profeta sobe ao Monte Carmelo e se põe a rezar. A profundidade, a humildade e a confiança da sua oração se expressam na ação de inclinar-se até o chão. Sua oração não tem a marca de uma serenidade, mas não é alienada do mundo. É uma oração num contextode tensão e perseguição.
Mas a oração de Elias é uma oração que não desiste diante da falta de resultados. Elias segue rezando mesmo quando não aperece nenhum sinal e chuva. É interessante notar que a oração perseverante abre os olhos do profeta e o faz capaz de reconhecer e acreditar nos pequenos sinais. O aparecimento de uma minúscula nuvem o motiva a anunciar ao rei a Boa Notícia da chuva que está chegando e o move a sair correndo à frente do próprio mensageiro.
A tradição carmelitana vê nessa pequena nuvem o símbolo de Maria. “E a nuvem do altíssimo a cobrirá com sua sombra”, disse a ela o anjo. Na figura humilde e humana desta mulher da Galiléia Deus visita e liberta seu povo, levantando ou desdizendo toda ameaça de punição ou destruição. O precioso fruto que nasce do seu ventre fará com que uma multidão de homens e mulheres se convertam em profetas e profetizas destemidas. A mística da oração desabrocha e amadurece na coragem profética.
“Estavam junto à cruz...”
Contemplemos agora o vulto deMaria como no-lo apresenta o evangelista João. No lugar conhecido como colina das caveiras podemos ver três cruzes e três corpos pendentes. E, aos pés das cruzes, o vulto de três mulheres e um homem. Três cruzes, três mulheres, três Marias... É o que sobrou da comunidade dos/as discípulos/as depois da via-crucis. Dor, compaixão e esperança se misturam num turbilhão desordenado. Aqui, a oração de Maria é sua fidelidade e sua silenciosa presença junto aos crucificados.
Eis o lugar de Maria na história do povo de Deus: ela é a “mãe dos aflitos que estão junto à cruz”. No silêncio orante do seu aposento juvenil, através daquela resposta despojada – “Eu sou a serva do Senhor! Que se faça conforme sua Palavra” – a jovem de Nazaré começara sua missão de Mãe do Filho de Deus. De pé diante da cruz, acompanhada e sustentada por outras marias, a Maria de Nazarée se torna a mãe dos discípulos e discípulas.
Olhando para a mãe e para o seu discípulo mais amado, num gesto de amor tão humano que chega a ser divino, Jesus oferece o lugar que até então ele mesmo ocupava no coração de Maria ao seu amigo. Nele Jesus está confiando aos maternos cuidados de Maria todas/os aquelas/es que se tornariam discípulas/os. E dirigindo-se ao discípulo fiel e amigo, confia-lhe os cuidados de sua mãe, estabelecendo a comunidade eclesial como o lar e o lugar próprio de Maria.
“Você já não é escravo, mas filho...”
Aos pés da cruz, sob o testemunho de duas mulheres, nasce uma nova família: uma família que transcende os laços de sangue e supera as discriminações de gênero; uma família com a marca do Espírito que Jesus entrega ao Pai e ao mundo no alto da cruz. Este Divino Sopro suscita e sustenta nossos gemidos e murmúrios de homens e mulheres que experimentam um pouco assustados a dignidade de pessoas livres, a possibilidade de agir criativamente, o desejo de relações amistosas e solidárias.
Com Maria aprendemos que dizer “sim” à Palavra de Deus significa converter-se em seus servidores/as e servidores/as do seu povo e libertar-se de todas as escravidões que nascem no ventre do medo diante dos que têm poder. Mais ainda: é porque Jesus Cristo nos trata como amigos/as que livremente nos fazemos servos/as daqueles/as que amamos. A própria relação com Deus vem marcada pela amizade e pela confiança e não mais pelo temor.
Aos pés da cruz e dos/as crucificados/as, na companhia de Maria e das outras marias, descobrimos que todas/os somos discípulas/os amadas/os, irmãs/os de Jesus, filhas/as de Maria. O calvário se converte em ventre que dá à luz uma comunidade de mulheres e homens emancipadas/os, sementes de uma humanidade renovada e renovadora. A esta comunidade Jesus confia sua herança dizendo: “Filho, eis tua Mãe!” E, mais tarde: “Cuida do meu rebanho”.
“Eis aí o seu filho...”
Jesus nos entrega aos cuidados de Maria. O escapulário é um sinal que lembra esse cuidado materno, nossa devoção mariana e, ao mesmo tempo, o propósito de seguir os passos de Jesus com humildade e integridade, como as marias e o discípulo amado. Tenhamos presente que ele não é um amuleto com poderes fetichistas, mas um sinal que nos remete ao centro da fé: somos filhos/as e herdeiros/as de um Deus que ama apaixonadamente e incondicionalmente.
O agora beato João Paulo II nos deixou o seguinte testemunho: “Eu também levo no meu coração, há tanto tempo, o Escapulário do Carmo! Por isso, peço à Virgem do Carmo que ajude a todos os religiosos e religiosas do Carmelo e os piedosos fiéis que a veneram filialmente a crescer em seu amor e irradiar no mundo a presença desta Mulher do silêncio e da oração, invocada como Mãe da misericórdia, Mãe da esperança e da graça". Que Maria nos cubra com seu manto e nos mantenha de pé ao seu lado!
A ti volvemos nosso olhar e dirigimos nossa palavra, ó Mulher cheia de graça, Mãe da misericórdia, Advogada nossa. Ajuda-nos a não esquecer que também nós nascemos de mulher, frutos nem sempre benditos de ventres menosprezados. Ensina a toda a Igreja que te chama de Mãe as lições de vida e de fé que viveste em Nazaré, ao lado de Jesus e de José. Conduz os homens e mulheres consagrados pelos caminhos do teu filho, encorajando-os nas vias não sempre sacras e sustentado-os no dom total de si mesmos/as. Aceita-nos e educa-nos como filhos e filhas que teu Filho te confiou em testamento. Aceita nossa agradecida hospitalidade e vem morar conosco, como Mãe, Irmã e Mestra. E guarda nossos irmãos e irmãs do Carmelo sob o teu sagrado manto. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
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