Ajudemos a transformar as dores de agonia em dores de parto!


(Is 50,4-7; Sl 21/22; Sl 21/22; Mt 21,1-11; Mt 27,11-54)


Depois de 40 dias de preparação, eis que se abrem as portas de uma semana que vale uma vida. Com ramos e flores, faixas e bandeiras, cânticos e orações, reunimo-nos nas ruas e templos para aclamar nosso líder manso e humilde. “Bendito aquele que vem em nome do Senhor!” Só alguém infinitamente grande é capaz de fazer-se tão pequeno e próximo. Na celebração que abre a Semana-Santa somos convidados/as acompanhar Jesus no seu caminho de transformar as dores de agonia que fazem gemer a terra e a humanidade em dores de parto de um outro mundo. Percorramos este caminho de mãos dadas com as vitimas dos terremotos no Japão e no México, mas também com as famílias das 12 crianças barbaramente assassinadas no Rio de Janeiro há 10 dias.
“Assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens...”
Ouvindo o relato da entrada de Jesus em Jerusalém somos convidados a abandonar nossas fantasias de poder e de sucesso. Nesta entrada não há nada de triunfal. Jesus vem da Galiléia e entra na capital do seu país politicamente dominado montado numa jumenta. Nada de cortejos de honra, de generais e cavalos vistosos, de discursos de acolhida na cidade. Jesus chega a Jerusalém como sempre foi: um servidor, um simples homem da Galiléia.
Depois de uma longa caminhada desde a Galiléia, Jesus chega à capital do seu país, caminhando à frente de um numeroso desconcertado grupo de discípulos e discípulas. O povo da capital não o conhece e tem medo, mas o pessoal do campo o aclama com entusiasmo como o Messias esperado. “Bendito o Rei que vem em nome do Senhor!” Eram pessoas que, como o velho Simeão, sabiam reconhecer naquele homem que tinha ouvidos e palavras para os últimos o Enviado de Deus. E isso contrasta com a fria acolhida do povo de Jerusalém e com o discreto medo dos próprios discípulos.
O grupo que acompanha Jesus na entrada nada triunfal em Jerusalém aclama o despontar do Reino messiânico inspirado em Davi e a chegada do líder enviado por Deus. Mas Jesus não realiza as ações de poder que muitos esperavam. Ele é o servo paciente e o ouvinte atento da Palavra do qual fala Isaías, e dessa escuta brota uma palavra que desperta os adormecidos e encoraja os acorrentados pelo medo. A ação que representa o ponto de mutação da historia não será outro que o dom incondicional de si mesmo na cruz.
“Tu és o rei dos judeus?!”
Mais uma vez: diante do caminho seguido por Jesus Cristo, não é mais possível alimentar os mitos de sucesso fácil e irresponsável que costumamos projetar nele. Sua entrada em Jerusalém montado num jumento é uma espécie de teatro de rua ou uma sátira aos libertadores militares, conhecidos no passado, temidos no presente ou sonhados para o futuro. Dizendo que o Senhor precisa do jumento, o Evangelho lembra que Jesus precisa de cada um de nós para cumprir sua missão de tirar o pecado d mundo e de transformar as dores de agonia em dores de parto.
Ademais, o entusiasmo suscitado naquele pequeno grupo de gente que vinha do interior não se sustentará por muito tempo. Os gritos de ‘hosana’ – Deus salva agora! – logo serão substituídos pelo insolente pedido ‘crucifica-o’, fruto da frustração do povo e da manipulação interesseira das autoridades políticas e religiosas. Os discípulos se unem às multidões e o saúdam como o Messias esperado, mas Jesus faz questão de demonstrar seu messianismo pobre e manso, montando muito a gosto num jumento. Não há nenhum sinal que possa intimidar ou assegurar submissão do povo.
“Levantai-vos e orai, para não cairdes em tentação.”
A divisão entre os próprios discípulos e a possibilidade concreta de traição não fazem Jesus mudar seu rumo. É verdade que ele se sente abatido e chega a se perguntar sobre o que fazer. No momento crucial, depois da festa de acolhida e da ceia de despedida, enfrenta um discernimento difícil. Pede aos discípulos que fiquem com ele e vigiem. “Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice...” Esta experiência crucial fica como um alerta aos discípulos/as que continuam sonhando hoje com sucesso e facilidades, indiferentes aos sofrimentos do próximo e às dores do Planeta.
Para Jesus, a oração no Getsêmani foi um momento de confronto profundo com a vontade do Pai, com a missão escrita em caracteres exigentes. E continua a ser, para os/as discípulos/as de todos os tempos, um espaço para discernir os caminhos que levam à vida em abundância. Muitas vezes temos a impressão de que é mais cômodo deixar a oração de lado e seguir o róseo caminho do menor esforço, do “cada um para si e Deus para todos”. “Vigiem e rezem para não caírem em tentação,” adverte Jesus. E hoje esta tentação é de conciliar a fé em Deus com destruição do planeta.
O seguimento de Jesus tem seu preço. A fé cristã está longe de ser um tranqüilizante para as consciências pesadas. Pilatos escolhe cinicamente o caminho mais fácil, que é lavar as mãos, fazer a vontade da maioria interesseira e assim receber o apoio popular que faltava ao seu poder despótico. É o fácil caminho da indiferença diante da dor dos outros, da rápida incriminação dos lutadores, da alegre bajulação dos poderosos, da arrogante pretensão de ser o único dono do mundo.
“Ele era mesmo Filho de Deus!”
Aquele que o cortejo do povo simples havia saudado na entrada da cidade como quem vinha e agia em nome de Deus permaneceu fiel e acabou preso, abandonado pelos próprios discípulos, condenado e pregado na cruz. Como sabemos, a cruz era vista como um lugar absolutamente vazio da presença Deus, como a negação mais absoluta da realeza ou de qualquer forma de liderança, como sinônimo de horror, culpa, impotência e abandono. Tanto para os judeus como para os romanos, a crucifixão representava a completa negação do ser humano, o redundante fracasso da pretensão de liderança, a absoluta ausência de Deus, a mais radical falta de sentido.
“Salva-te a ti mesmo! Se és o Filho de Deus, desce da cruz!”, provocavam aqueles que pensam que a divindade se mostra no poder, no cuidar de si mesmo, no salvar a própria pele. O próprio Jesus parece mergulhar num escuro turbilhão e protesta contra o abandono até por parte de Deus. “Desde o meio-dia até as três horas da tarde houve escuridão sobre toda a terra.” Mas acaba vislumbrando a suprema consolação na radicalização do dom de si mesmo: “E eis que a cortina do santuário rasgou-se de alto abaixo, a terra tremeu e as pedras se partiram...” Há um novo começo pedindo licença.
É da boca de um soldado pagão vem a palavra que faz brilhar uma pequena luz na escuridão que fazia em plena tarde. “Ele era mesmo Filho de Deus!” O que viu aquele soldado que os outros não viram? Viu o mesmo que Simeão reconhecera 30 anos antes: que Deus se revela na pequenez e na fidelidade daqueles que morrem defendendo a vida. Naquele homem esvaziado, anulado e descartado, mas, ao mesmo tempo, absolutamente fiel no seu amor pelos últimos e senhor de si mesmo, o soldado viu a exaltação da humanidade e o brilho da glória de Deus, diante da qual todo corpo se inclina e todo poder despótico treme.
“Anunciarei o vosso nome aos meus irmãos...”
Com ramos nas mãos, aclamemos com alegria inocente e esperança convincente o mestre e profeta Jesus de Nazaré. Acompanhemos de perto seus passos, acolhamos seus gestos, escutemos suas palavras. Superemos a tentação de segui-lo de longe e de evitar maiores riscos, como fizeram Pedro e os outros. Não esqueçamos que tantos discípulos e discípulas pelos séculos a fora permaneceram com ele, comungaram seu destino e se tornaram semente. Entre estes está a Ir. Adelaide Molinari FDC, cujo martírio recordamos na quarta-feira (+14.04.1985). Mas como esquecer os agricultores sem-terra assassinados em Eldorado do Carajás há 15 anos (17.04.1996)?
Deus Pai-Mãe, fonte e servidor da vida. Aqui estamos diante do teu Filho e nosso Irmão, com ramos e flores nas mãos. Queremos aprender com ele a sagrada lição da Ceia e da Paixão. Queremos experimentar o perdão que tu nos ofereces sem cessar. Mas queremos, sobretudo, dar nossa humilde e decidida contribuição para que as dores e gemidos de agonia que brotam do nosso Planeta explorado e ferido de morte, assim como a dor devastadora das famílias que viram a vida dos seus filhos adolescentes ser ceifada violentamente na manhã do último dia 7 de abril, se transformem em dores e alegrias do nascimento de um planeta respeitado e de uma humanidade pacificada e reconciliada. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf


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