CRER EM JESUS SIGNIFICA PARTICIPAR DA SUA AÇÃO LIBERTADORA.

Continuamos no tempo pascal. Na eucaristia fazemos memória da páscoa-passagem de Jesus nas inúmeras e infindas travessias que empreendemos. A ressurreição de Jesus não é o último raio de uma revelação ou o último parágrafo de uma sentença, mas o início de um novo caminho, um sinal que indica a proximidade da Vida. O dinamismo da ressurreição sugere transição e parto, desejo e iniciativa que partem da ausência, da inquietação e da dor. Aos poucos, um domingo após o outro, vamos sendo introduzidos na atitude de confiante súplica, de serena espera e de sincera abertura ao Espírito Santo. É ele quem sustentou Jesus Cristo em seu itinerário pascal, e é ele que hoje reúne, sustenta e envia o povo de Deus a fazer coisas grandes como fez Jesus, e coisas ainda maiores.
“Não se perturbe o vosso coração.”
O belo e sério diálogo de Jesus com seus discípulos, descrito hoje pelo evangelista, transcorre na noite da última ceia, após o gesto do lava-pés.  O clima é de sincera amizade e de apreensão frente às ameaças; de alegria de quem se entrega inteiramente e de dúvida de quem não consegue entender o caminho do serviço; de perturbação dos discípulos e sua também! É neste clima que Jesus fala de um lar cálido e com muitos lugares, do caminho para o Pai, da presença do Pai na sua vida e nas suas ações.
Como os discípulos depois da ceia de aliança e despedida, às vezes nos sentimos envolvidos por nuvens tenebrosas. Parece que o mundo não está disposto a hospedar lutadores/as que sonham uma nova sociedade, sofredores/as que querem saber as razões da dor, educadores/as que ensinam uma nova lição, profetas que anunciam uma nova estação, pesquisadores/as que anseiam por novos horizontes, crentes que sonham com uma outra Igreja. Onde encontrar moradas para tais homens e mulheres?
Outras vezes, mesmo que a vontade de caminhar não desapareça, o horizonte utópico se escurece e não sabemos o rumo que devemos seguir. Quando falta uma clara visão da meta, do tipo de sociedade e de Igreja que o Evangelho inspira, do perfil concreto do novo homem e da nova mulher, o desenho dos caminhos se desvanece, a luta se arrefece, a mente se escurece e a vida se empobrece. “Não sabemos para onde vais... Como poderíamos conhecer o caminho?”
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida”
Aos discípulos e discípulas de todos os tempos, desconcertados/as frente ao lava-pés e dominados/as pela sensação de que este caminho não tem futuro, Jesus promete: “Existem muitas moradas na casa do meu Pai”. E assim como Jesus se sente em casa junto do seu e nosso Pai, os discípulos e discípulas podemos estar seguros/as de que, no coração de Deus há um cantinho preparado para todos/as aqueles/as que ousam percorrer o caminho do êxodo rumo a uma terra onde a justiça beija a paz.
Quem quiser chegar ao Pai e ao mundo por ele sonhado tem um caminho seguro: é Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus, aquele que coloca os últimos em primeiro lugar, que acolhe enobrecido o perfume que uma mulher mal-vista derrama nos seus pés, que se reparte no pão, que se ajoelha para lavar os pés dos discípulos/as e até dos traidores, que nos ama como amigos e amigas, que perdoa o ladrão arrependido. Agir como ele agiu é caminho seguro que nos leva ao Pai.
Naquilo que diz e naquilo que faz, Jesus Cristo é a Verdade que nos acalma e enche de alegria. A verdade sobre a pessoa humana e sobre Deus. A verdade mais profunda do ser humano é sua capacidade de ternura e solidariedade. A verdade mais profunda de Deus é sua aliança e lealdade com o povo, sua companhia insuperável. Esta é uma verdade que exerce uma incrível atração sobre nós, nos lança para fora e para frente, e não é algo de que podemos nos apropriar.
 “Quem me vê, vê o Pai”
Para falar de Jesus, Pedro retoma a metáfora da pedra rejeitada pelos construtores, mas preciosa para Deus e para aqueles que acreditam nele. É incrível sua ousadia: aquele homem que os poderes do mundo rejeitaram é acolhido como mais digno e precioso por Deus e pelo povo de Deus; aquele homem crucificado e achincalhado é a própria imagem viva de Deus; naquele homem que sentou à mesa com pecadores, que defendeu prostitutas, que curou pessoas impuras estava vivo e ativo o próprio Deus.
Em tudo o que fez e viveu, inclusive no aparente abandono sofrido na cruz, Jesus estava no Pai e o Pai estava nele. Jesus aprendeu e ensinou aos seus discípulos/as que não há alimento mais saudável e nutritivo que realizar a vontade libertadora de Deus, e é isso que significa estar no Pai. Ele agiu sem medo, cansaço ou limites para resgatar a dignidade e a vida das pessoas necessitadas, e isso quer dizer que Deus estava nele. É por isso que, respondendo ao convite do salmista, exultamos de alegria.
Por mais paradoxal que pareça, somos convidados a crer em Jesus Cristo mais por causa daquilo que ele fez que por causa daquilo que ele disse. E aquilo que ele fez não foram principalmente ações grandiosas e obras imponentes: ele teve compaixão das pessoas vergadas sob opressões diversas, e por isso curou, perdoou, defendeu, lavou os pés, estendeu seus braços e abraçou a todos na cruz que lhe impuseram. É por causa destas obras divinamente humanas que nós acreditamos.
“Quem crê em mim fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores que estas.”
Na intuição de São Pedro, os discípulos e discípulas somos pedras vivas que, unidas a Jesus Cristo, a pedra angular, somos indispensáveis na construção do templo vivo no qual a vida plena é a mais bela oferta a Deus. Somos um povo comprado a preço de ouro por Deus, constituídos como povo eleito, sacerdócio de sangue real e nação santificada. Deus trata como povo amado e especial aqueles/as que os poderes e instituições tendem a considerar como nada ou uma nulidade.
Esta condição nós a recebemos de presente, mediante a fé, mas não automaticamente. A fé em Jesus Cristo precisa ser demonstrada nas ações concretas. Ou melhor, em ações que atualizam aqui e agora a ação libertadora de Jesus. É pelos frutos que se conhece a árvore e pela ação que se conhece o cristão. Dizendo que faremos as obras que ele fez e ainda maiores, Jesus não está prometendo um poder especial, mas propondo um critério de verificação.
Jesus Cristo tem esta incrível humildade de afirmar que a pessoa que acredita nele fará coisas maiores do que ele mesmo fez. Maiores porque mais extensas no tempo: ele viveu apenas 33 anos. Maiores porque mais amplas no espaço: ele não saiu da Palestina. Maiores porque a comunidade dos discípulos/as hoje ultrapassa os 12 membros. Maiores porque, na medida em que perseveramos num amor criativo e sem fronteiras, ele e o Pai estabelecem sua morada em nós e nos sustentam.
“Não está certo que nós abandonemos a pregação da Palavra de Deus...”
A comunidade apostólica nos mostra claramente que a fé em Jesus é dinamismo para agir e intuição para criar. Nenhuma pessoa necessitada deve ficar sem auxílio e nenhuma comunidade pode ficar sem anúncio da Boa Notícia. Como conjugar estes dois princípios? Descentralizar as responsabilidades, decidir em assembléia, inovar na organização, confiar na bondade e na criatividade das pessoas de fé e cheias do Espírito Santo.  Ou seja: a saída e a criatividade ministerial, a abertura às diversas vocações!
Assim, pelo testemunho do socorro aos pobres em suas necessidades e pelo anúncio explícito dos apóstolos, “a Palavra do Senhor se espalhava”. Se espalhou, correu o mundo, foi assimilada por pessoas e culturas e chegou até nós, em palavras e gestos. É esta palavra que ressoa hoje com sabor de novidade na celebração dominical, que se faz palpável na partilha do pão e do vinho, que se faz carne nos múltiplos gestos anônimos ou públicos de amor e serviço.
“O olhar do Senhor vigia sobre quem o teme, sobre quem espera na sua graça.”
Deus Pai e Mãe, presença ativa e encorajadora em Jesus e na comunidade daqueles/as que o seguem: dá-nos a criativa fidelidade e a responsável liberdade dos primeiros apóstolos. Afasta de nós o medo da inovação, o receio do engajamento no socorro às vítimas e na denúncia contra os que oprimem. Corrige na tua Igreja o mau-gosto de estar sempre ao lado dos poderosos e a tendência de pensar que a pluralidade vital é relativismo total. Não deixes que a tua Igreja se perturbe diante da complexidade, dos desafios e das possibilidades do mundo.  E ajuda-nos a continuar a obra de Jesus. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf

É hora de responder o chamado de Deus

No ultimo domingo, (15/05), domingo do Bom Pastor, e que a igreja celebra o dia mundial de oração pelas vocações, nossa Arquidiocese de Brasília, realizou a VIII Jornada Vocacional. Este ano com o tema: Em um só espírito, discípulos a serviço das vocações, e lema: “Enviai, Senhor, Operários e Operárias a Vossa Messe.” (Mt. 9,38).
Um dia muito propício para nossos jovens pensarem e refletirem sobre suas vocações a partir do que foi apresentado pelas congregações, ordens e comunidades de vida presentes.
Durante todo o dia, teve diversas atividades, palestras, louvor, oficinas, bem como a missa, e claro, as tendas vocacionais, que tiveram atendimento aos jovens que se interessavam.
Como todos nós sabemos, vocação é responder ao chamado de Deus, é se colocar a disposição a Deus através do próximo, que acolhe com alegria nossa doação. Mas é importante lembrar também, que vocação não é apenas ser padre ou freira.  Cada vez mais as pessoas, bem como a igreja, têm tomado consciência da importância e da beleza da diversidade de vocações, ou seja, a vocação matrimonial, vocação sacerdotal, vocação religiosa e vocação do leigo. Seja qual for sua vocação, o importante é fazer dela uma entrega e louvor ao Deus Pai que nos chama.
Neste sentido, a VIII jornada vocacional, foi sem duvidas, muito valida a todos aqueles jovens que participaram, sedentos por um caminho e dispostos a se abrirem a responder o chamado de Deus.
Peçamos pois, ao Senhor da messe, que continue suscitando no coração de nossos jovens o desejo de se entregarem por inteiro, a missão/vocação a eles confiados.
João Carlos Ribeiro – Noviço Barnabita

Jesus Cristo caminha conosco pelas estradas da vida.

O significado do acontecimento pascal não se entrega à nossa compreensão em um só golpe. A realidade viva e esperançosa que eles comunicam necessita de um longo tempo para germinar, crescer, florescer e frutificar na vida cristã. Com sabedoria a tradição cristã prolonga o evento pascal nas sete semanas que se seguem à páscoa. Este período denominado tempo pascal é um desafio e um convite a descobrir e acolher o dinamismo da ressurreição em suas múltiplas facetas, escondidas nas tramas da vida e na luminosidade translúcida das liturgias. E, neste fim-de-semana, a provocação é descobrir a força pascal escondida e revelada na figura das mães, sem esquecer também do testemunho do Padre Josimo Morais Tavares, martirizado no dia das mães (10.05.1986).
“O que é que vocês andam conversando pelo caminho?”
Os evangelhos fazem questão de não esconder as dificuldades e a incrível lentidão com que os discípulos e discípulas vão se abrindo à ressurreição de Jesus Cristo. Mesmo quando relatam as aparições de Jesus, os evangelhos mostram como a maioria dos discípulos/as permanece estática, incrédula, quase indiferente. E as manifestações do ressuscitado são sempre envoltas numa certa penumbra, exigindo discernimento e supondo uma opção de fé.
O episódio dos discípulos que voltam desolados à aldeia de Emaús é paradigmática. Lucas diz que eles estavam como que cegos. Eles não conseguiam tirar da memória a imagem da prisão, do julgamento, da tortura e da morte de Jesus na cruz. Ou seja: o fracasso fora completo e arrasador, e não havia como conciliar a esperança de um messias com um criminoso pregado na cruz. “Eles conversavam a respeito de tudo o que tinha acontecido...”
O evangelista faz notar que “o próprio Jesus se aproxima e começa a conversar com eles”. Jesus inicia perguntando sobre o conteúdo da conversa e o motivo da tristeza deles. Ele não chega impondo o tema ou desviando do assunto. Com a sabedoria de um mestre, conduz os discípulos ao mais fundo da própria frustração, ao coração da sua dor, ao núcleo mais central dos acontecimentos. E o faz caminhando com eles, num caminho de volta ao passado, desprovido de esperanças.
Sem este primeiro momento, a fé na ressurreição pode cair no vazio ou resvalar para o cinismo. Se não tivermos a coragem de mergulhar fundo nas frias e obscuras cavernas dos fracassos e decepções - nossos e dos outros! – dificilmente  chegaremos a compreender a força e o realismo da ressurreição de Jesus Cristo, promessa viva e animadora da renovação do céu e da terra. Os atalhos não levam a nada. O começo não pode ser a doutrina, mas a vida.
“Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando...”
Naquele caminho de volta para o nada, para aquilo que existia antes do encontro com aquele “jovem galileu”, Jesus procura ajudar os discípulos a se abrirem a uma outra idéia de Deus, a uma imagem despida das marcas do poder e do saber, mas tem pouco sucesso. Obcecados por certa imagem de Deus e machucados pelo desengano de suas esperanças, eles não conseguem compreender nada. “Como vocês custam para entender e como demoram a acreditar...”
Mas a Palavra e a Presença viva de um Deus radicalmente humano, um Deus que percorre com eles as estradas do fracasso, acaba abrindo algumas pequenas brechas naquela terra seca. Eles se dão conta de que já é tarde e a noite se aproxima Percebem claramente que um caminho sem esperanças não leva a lugar nenhum. Sentem necessidade de um companheiro com quem possam dividir o pão da dor. E esta sede de companhia, junto com o desejo de repartir, faz toda a diferença. Este é o vazio ou o desejo insaciável que habita todo ser humano, marca todas as nossas iniciativas e criações, que anuncia teimosamente que a noite é parte da condição humana e se faz luminosa quando abrimos a porta, acolhemos um peregrino, arrumamos a mesa e partilhamos o pão.
Não há objetivo mais importante para a catequese e a liturgia que este de orientar os homens e mulheres à experiência do encontro vivo com este desejo que habita no mais profundo recôndito do ser humano. É este seu ponto de partida e de chegada. Uma catequese puramente doutrinal e uma liturgia pobremente ritual não fazem outra coisa que esvaziar a vida do seu sentido e manter as pessoas na superficialidade. Mas, depois de ajudar os fiéis a tocar com a mão a profundidade nua da vida, é preciso acompanhá-las na abertura da porta e das mãos, mesmo quando a noite se aproxima.
“Compreendam o que está acontecendo...”
Acolhendo o companheiro de caminhada e partilhando com ele a vida e o pão, os discípulos passaram da cegueira à visão, da frustração à alegria, da escuridão à luz. A hospitalidade e a partilha, que não são conceitos e sim relações vivas, dão-lhes a possibilidade de fazer uma releitura do percurso feito, compreender melhor o que sentem e descobrir o significado profundo dos acontecimentos que vivem. Só então eles dão atenção àquilo que sentiam quando escutavam a Palavra. “Não estava o nosso coração ardendo quando ele nos falava pelo caminho?”
Pedro nos mostra que os apóstolos aprenderam esta lição. Com uma coragem inexplicável para quem havia negado Jesus, ele se levanta e, diante dos habitantes de Jerusalém e dos peregrinos, convida a compreender o sentido do que estava acontecendo naquela manhã em que o fogo do Espírito abria portas e caminhos, concedia sabedoria e inteligência, chamava e enviava. Aquele Jesus de Nazaré que fora humilhado até o extremo havia sido exaltado ao máximo.
A experiência da presença de Jesus ressuscitado é, concomitantemente, recebimento do Espírito Santo, e este reúne e envia um povo de testemunhas. “Não era possível que a morte o dominasse... Ele recebeu o Espírito Santo e o derramou...” Por isso, aqueles dois discípulos anônimos também se levantam imediatamente da mesa e voltam a Jerusalém. A noite não lhes assustava mais. Por fora estava escuro, mas uma luz os guiava internamente. Em Jerusalém eles dão seu testemunho e ouvem o testemunho dos apóstolos.
“Deus o ressuscitou e nós somos testemunhas disso...”
A fé cristã se fundamenta no testemunho, na experiência pessoal ou dos outros. Cremos porque há uma corrente de homens e mulheres que deram prosseguimento àquele projeto vivido por Jesus Cristo. Uma multidão de santos e mártires – de Estêvão a Josimo, de Roma ao Maranhão – fez chegar até nós esta corrente de vida. Quando se fazia noite eles souberam abrir a porta e servir a mesa aos peregrinos anônimos. Nesta “nuvem de testemunhas” Cristo se mostra vivo e ressuscitado, e os sacramentos nos conduzem a esta realidade.
Mas se esta corrente de testemunhas não continuar, os frutos da ressurreição não chegam à mesa de ninguém. Cada geração de cristãos precisa recriar o testemunho do Ressuscitado, discernindo as exigências e oportunidades próprias do seu tempo. Este testemunho começa pela abertura – das mentes, da cultura, das portas, das Igrejas, das instituições – e amadurece na acolhida daqueles/as que percorrem os caminhos da vida pelas margens. Este testemunho tem seu momento luminoso na partilha da vida e daquilo que sustenta a vida. Sem este momento, corre o risco de permanecer obscuro, ambíguo e incompreensível.
A experiência descrita poeticamente pelo Salmo 15/16 é bela e profunda: Deus é o bem mais precioso, a herança mais bela que podemos aspirar. É como uma taça de bom vinho. Seu vulto nos precede e nosso destino está seguro na concha de suas mãos. Nele nossas entranhas exultam, nosso coração se alegra e nosso ser experimenta segurança. Ele não nos abandona na fria escuridão da sepultura ou nas curvas desoladas dos fracassos.  E esta experiência da bondade de Deus não leva a uma fé quieta e impassível, mas a um testemunho corajoso e operoso no coração do mundo.
“Não era possível que a morte o dominasse...”
Deus da vida: nossos pais e antepassados na fé nos ensinaram a te chamar de pai, mas nos mostras um coração de mãe. Tu nos acompanhas nas curvas sombrias dos nossos fracassos individuais e sociais, nos confortas no aconchego do teu colo, seguras a mão e guias nossos passos incertos, abres nossos olhos para encarar a realidade, encorajas à fidelidade criativa e responsável. Vem em nosso socorro para que transformemos a fé na ressurreição do teu filho em projeto de uma vida doada sem reservas e sem condições, como o fazem anônima e generosamente nossas mães. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf

Felizes quem crê por causa do testemunho de outros/as.

Vivemos a mesma condição dos cristãos aos quais Pedro se dirige em sua primeira carta: nós nunca vimos Jesus, mas isso não nos impede de segui-lo, amá-lo e testemunhá-lo. Aprendemos pouco a pouco que a fé que nos possibilita ver com novo olhar e agir com novo vigor. Ver e tocar não são condições indispensáveis para crer. Imprescindível é o vínculo vivo com uma comunidade de irmãos e irmãs. Na comunidade real temos a possibilidade de estender a mão e tocar as chagas do Senhor ressuscitado, de prostrarmo-nos em humilde adoração e de dar prosseguimento à missão de Jesus Cristo, tanto de forma individual como em ritmo comunitário. E o faremos celebrando a memória de dois irmãos muito queridos: o grande educador Paulo Freire, que nos deixou há 14 anos (02.05.1997), e de João Paulo II, cuja beatificação celebramos no dia de hoje.
“A paz esteja com vocês!”
É impressionante a experiência pascal dos discípulos e discípulas de Jesus. Doía-lhes na consciência a traição, a negação, a deserção e o abandono de Jesus no caminho da cruz. A esta dor se acrescentava o medo de que a perseguição violenta por parte das autoridades judaicas e romanas se voltasse também contra eles. Buscando proteção e encorajamento mútuos, s discípulos e discípulas se reuniam a portas fechadas.
Remorso e medo não são muros que impedem a manifestação de Jesus ressuscitado. E quando ele ser este fechamento e se manifesta aos seus medrosos seguidores/as, sua primeira palavra não é de advertência ou acusação, mas de acolhida e pacificação: “A paz esteja com vocês!” Jesus lhes mostra as feridas nas mãos e no lado esquerdo, não para lamentar ou acusar, mas para assegurar que sua história concreta é importante e sua presença não é mera fantasia.
Assim, a alegria, tão característica da experiência pascal, não brota apenas da certeza de que ressuscitaremos um dia, no futuro, mas também da experiência atual e cotidiana de não sermos condenados/as, de sermos aceitos/as como amigos e amigas de Jesus de Nazaré, apesar de nossas traições e deserções. E esta experiência é uma herança que não se corrompe com o passar do tempo, é uma esperança viva. “Por isso, vocês devem alegrar-se”, escreve Pedro.
“Nós vimos o Senhor...”
Tomé não estava reunido com os demais discípulos e discípulas quando eles experimentaram a presença de Jesus ressuscitado. Quando os outros dez discípulos lhe anunciaram “nós vimos o Senhor”, sua reação não escondeu a frustração transformada em desconfiança e ceticismo: “Se eu não vir a marca dos pregos nas mãos dele, se eu não colocar o meu dedo na marca dos pregos, e se eu não colocar a minha mão no lado dele, eu não acreditarei.”
A pedra que atrapalhava a caminhada de fé de Tomé não era simplesmente uma questão conceitual ou filosófica. Faltava-lhe o sentido de pertença à comunidade. O abandono do caminho de Jesus levou-o ao isolamento, e esta separação da comunidade impedia a continuidade da missão, condição essencial para uma fé viva na ressurreição de Jesus. Seu desejo de “ver e tocar” expressa a necessidade de uma mediação concreta e comunitária da experiência de fé.
No seguinte encontro dominical, Tomé reatou os laços com os condiscípulos e seus olhos se abriram. Nos corpos concretos dos seus irmãos e irmãs, também eles marcados por feridas diversas, Tomé recordou o projeto e o caminho de Jesus Cristo, “tocou” suas feridas e acreditou. São felizes aqueles/as que alcançam a fé sem ver diretamente, apenas vendo e tocando indiretamente o Senhor que está no meio de nós.
“Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês!”
A alegria da páscoa – em si mesma sempre legítima – pode esconder um risco. Podemos ficar de tal modo envolvidos pelas imagens dos anjos e pelas palavras de paz, pela visão de um Cristo exaltado e sentado à direita do Pai e pela possibilidade da nossa ressurreição depois da morte que corremos o risco de esquecer que o mundo ainda não foi totalmente transfigurado, e que nossa missão de discípulos e discípulas continua.
Por isso, depois de afirmar que vem trazer a paz, Jesus Cristo confere claramente uma missão aos discípulos/as: “Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês”. Trata-se de continuar seu próprio trabalho de tirar o pecado do mundo. É como se ele nos confiasse a tarefa de garis ou lixeiros, daqueles que passam pelas ruas recolhendo as imundícies produzidas pela cidade. Esta é a missão de ser o “Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo”.
Este pecado tem muitos nomes e se manifesta nas diversas formas de dominação, de exploração, de discriminação, ou também na indiferença diante das vítimas destas ações. Faz parte da nossa fé na ressurreição de Jesus Cristo inscrever-se no comitê daqueles/as que se engajam voluntariamente na gestação de um outro mundo, diferente e melhor que este no qual “há tanta dor, tanto pranto”, “cruzes beirando a estrada, pedras manchadas de sangue”, “mães gritando qual loucas” por “filhos levados na noite da tirania”.
E esta missão urge, não pode ser postergada para um hipotético amanhã, para “quando tivermos tempo”. E não pode também ser terceirizada ou enviada à responsabilidade dos outros/as. Jesus Cristo nos deixa claro que o pecado que não perdoarmos ou tirarmos para fora do mundo permanecerá aqui, diminuindo e ferindo a vida de muitos. O Espírito Santo nos é dado, como o sopro que deu vida e iniciativa a Adão, para agir como Jesus, e agir hoje, já.
“Eram perseverantes...”
A comunidade dos homens e mulheres que se reuniam para continuar a memória de Jesus crucificado e ressuscitado, depois de receber o Espírito Santo, teve coragem para inovar e forças para perseverar. Mas precisamos concretizar mais: perseverar em que? No ensinamento dos apóstolos a respeito da vida e da ação de Jesus de Nazaré; na união fraterna em torno da memória de Jesus Cristo; na partilha do pão e de todos os bens; na oração e na liturgia.
Bem cedo os cristãos descobriram e ensinaram que abraçar a fé em Jesus Cristo ressuscitado instaura um vínculo estreito e real com os irmãos e irmãs, exige a partilha dos bens “conforme a necessidade de cada um”, suscita a alegria radiante frente a cada acontecimento, conduz à simplicidade profunda e cordial no modo de viver, de crer e de lutar. Crer em Jesus Cristo vencedor da morte nos leva a descobrir que é preciso perseverar no caminho iniciado.
João diz que escreveu seu evangelho como memória de alguns aspectos da vida e do ensinamento de Jesus Cristo para que acreditemos que ele é o Filho de Deus e para que, acreditando, tenhamos “a vida em seu nome”, ou seja: vivamos em nome dele, a partir dele, do jeito dele. Talvez seja este o sentido do desejo de Tomé: ver com os próprios olhos, tocar com as próprias mãos. A seu modo, os cristãos de Jerusalém conseguiram dar concretude à sua fé. E isso de tal maneira que “eram estimados por todo o povo” e atraíam novos discípulos.
“Estende tua mão e toca...”
É a nós que Jesus se dirige hoje, convidando-nos a tocar seu corpo. Nesta celebração, seu corpo está ao nosso alcance na eucaristia, mas também no corpo eclesial, nos irmãos e irmãs que estão ao nosso lado no templo e do lado de fora da igreja. Saudemos, abracemos sirvamos estes irmãos e irmãs, membros vivos do corpo de Cristo. Com eles, vivamos em paz e sejamos portadores de paz. E mais ainda: busquemos no pão pascal a força para perseverar na tarefa impostergável de tirar o pecado do mundo, começando pelos pecados que ferem e maculam a própria Igreja.
Deus, Pai e Mãe da vida: reunidos em comunidade e celebrando a memória de teu filho e nosso irmão Jesus de Nazaré, te agradecemos pelo dom da fé. É graças a ela que cremos e caminhamos mesmo sem ter tocado nas feridas de Jesus. E te pedimos que a celebração de hoje nos faça renascer para uma esperança viva e vivificadora, para uma herança que não murcha, mesmo em meio a dificuldades e provações. Faz que sejamos membros da família de Jesus Cristo a partícipes da sua missão de tirar o pecado do mundo e fazer de toda a humanidade uma só família.Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf