O significado do acontecimento pascal não se entrega à nossa compreensão em um só golpe. A realidade viva e esperançosa que eles comunicam necessita de um longo tempo para germinar, crescer, florescer e frutificar na vida cristã. Com sabedoria a tradição cristã prolonga o evento pascal nas sete semanas que se seguem à páscoa. Este período denominado tempo pascal é um desafio e um convite a descobrir e acolher o dinamismo da ressurreição em suas múltiplas facetas, escondidas nas tramas da vida e na luminosidade translúcida das liturgias. E, neste fim-de-semana, a provocação é descobrir a força pascal escondida e revelada na figura das mães, sem esquecer também do testemunho do Padre Josimo Morais Tavares, martirizado no dia das mães (10.05.1986).
“O que é que vocês andam conversando pelo caminho?”
Os evangelhos fazem questão de não esconder as dificuldades e a incrível lentidão com que os discípulos e discípulas vão se abrindo à ressurreição de Jesus Cristo. Mesmo quando relatam as aparições de Jesus, os evangelhos mostram como a maioria dos discípulos/as permanece estática, incrédula, quase indiferente. E as manifestações do ressuscitado são sempre envoltas numa certa penumbra, exigindo discernimento e supondo uma opção de fé.
O episódio dos discípulos que voltam desolados à aldeia de Emaús é paradigmática. Lucas diz que eles estavam como que cegos. Eles não conseguiam tirar da memória a imagem da prisão, do julgamento, da tortura e da morte de Jesus na cruz. Ou seja: o fracasso fora completo e arrasador, e não havia como conciliar a esperança de um messias com um criminoso pregado na cruz. “Eles conversavam a respeito de tudo o que tinha acontecido...”
O evangelista faz notar que “o próprio Jesus se aproxima e começa a conversar com eles”. Jesus inicia perguntando sobre o conteúdo da conversa e o motivo da tristeza deles. Ele não chega impondo o tema ou desviando do assunto. Com a sabedoria de um mestre, conduz os discípulos ao mais fundo da própria frustração, ao coração da sua dor, ao núcleo mais central dos acontecimentos. E o faz caminhando com eles, num caminho de volta ao passado, desprovido de esperanças.
Sem este primeiro momento, a fé na ressurreição pode cair no vazio ou resvalar para o cinismo. Se não tivermos a coragem de mergulhar fundo nas frias e obscuras cavernas dos fracassos e decepções - nossos e dos outros! – dificilmente chegaremos a compreender a força e o realismo da ressurreição de Jesus Cristo, promessa viva e animadora da renovação do céu e da terra. Os atalhos não levam a nada. O começo não pode ser a doutrina, mas a vida.
“Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando...”
Naquele caminho de volta para o nada, para aquilo que existia antes do encontro com aquele “jovem galileu”, Jesus procura ajudar os discípulos a se abrirem a uma outra idéia de Deus, a uma imagem despida das marcas do poder e do saber, mas tem pouco sucesso. Obcecados por certa imagem de Deus e machucados pelo desengano de suas esperanças, eles não conseguem compreender nada. “Como vocês custam para entender e como demoram a acreditar...”
Mas a Palavra e a Presença viva de um Deus radicalmente humano, um Deus que percorre com eles as estradas do fracasso, acaba abrindo algumas pequenas brechas naquela terra seca. Eles se dão conta de que já é tarde e a noite se aproxima Percebem claramente que um caminho sem esperanças não leva a lugar nenhum. Sentem necessidade de um companheiro com quem possam dividir o pão da dor. E esta sede de companhia, junto com o desejo de repartir, faz toda a diferença. Este é o vazio ou o desejo insaciável que habita todo ser humano, marca todas as nossas iniciativas e criações, que anuncia teimosamente que a noite é parte da condição humana e se faz luminosa quando abrimos a porta, acolhemos um peregrino, arrumamos a mesa e partilhamos o pão.
Não há objetivo mais importante para a catequese e a liturgia que este de orientar os homens e mulheres à experiência do encontro vivo com este desejo que habita no mais profundo recôndito do ser humano. É este seu ponto de partida e de chegada. Uma catequese puramente doutrinal e uma liturgia pobremente ritual não fazem outra coisa que esvaziar a vida do seu sentido e manter as pessoas na superficialidade. Mas, depois de ajudar os fiéis a tocar com a mão a profundidade nua da vida, é preciso acompanhá-las na abertura da porta e das mãos, mesmo quando a noite se aproxima.
“Compreendam o que está acontecendo...”
Acolhendo o companheiro de caminhada e partilhando com ele a vida e o pão, os discípulos passaram da cegueira à visão, da frustração à alegria, da escuridão à luz. A hospitalidade e a partilha, que não são conceitos e sim relações vivas, dão-lhes a possibilidade de fazer uma releitura do percurso feito, compreender melhor o que sentem e descobrir o significado profundo dos acontecimentos que vivem. Só então eles dão atenção àquilo que sentiam quando escutavam a Palavra. “Não estava o nosso coração ardendo quando ele nos falava pelo caminho?”
Pedro nos mostra que os apóstolos aprenderam esta lição. Com uma coragem inexplicável para quem havia negado Jesus, ele se levanta e, diante dos habitantes de Jerusalém e dos peregrinos, convida a compreender o sentido do que estava acontecendo naquela manhã em que o fogo do Espírito abria portas e caminhos, concedia sabedoria e inteligência, chamava e enviava. Aquele Jesus de Nazaré que fora humilhado até o extremo havia sido exaltado ao máximo.
A experiência da presença de Jesus ressuscitado é, concomitantemente, recebimento do Espírito Santo, e este reúne e envia um povo de testemunhas. “Não era possível que a morte o dominasse... Ele recebeu o Espírito Santo e o derramou...” Por isso, aqueles dois discípulos anônimos também se levantam imediatamente da mesa e voltam a Jerusalém. A noite não lhes assustava mais. Por fora estava escuro, mas uma luz os guiava internamente. Em Jerusalém eles dão seu testemunho e ouvem o testemunho dos apóstolos.
“Deus o ressuscitou e nós somos testemunhas disso...”
A fé cristã se fundamenta no testemunho, na experiência pessoal ou dos outros. Cremos porque há uma corrente de homens e mulheres que deram prosseguimento àquele projeto vivido por Jesus Cristo. Uma multidão de santos e mártires – de Estêvão a Josimo, de Roma ao Maranhão – fez chegar até nós esta corrente de vida. Quando se fazia noite eles souberam abrir a porta e servir a mesa aos peregrinos anônimos. Nesta “nuvem de testemunhas” Cristo se mostra vivo e ressuscitado, e os sacramentos nos conduzem a esta realidade.
Mas se esta corrente de testemunhas não continuar, os frutos da ressurreição não chegam à mesa de ninguém. Cada geração de cristãos precisa recriar o testemunho do Ressuscitado, discernindo as exigências e oportunidades próprias do seu tempo. Este testemunho começa pela abertura – das mentes, da cultura, das portas, das Igrejas, das instituições – e amadurece na acolhida daqueles/as que percorrem os caminhos da vida pelas margens. Este testemunho tem seu momento luminoso na partilha da vida e daquilo que sustenta a vida. Sem este momento, corre o risco de permanecer obscuro, ambíguo e incompreensível.
A experiência descrita poeticamente pelo Salmo 15/16 é bela e profunda: Deus é o bem mais precioso, a herança mais bela que podemos aspirar. É como uma taça de bom vinho. Seu vulto nos precede e nosso destino está seguro na concha de suas mãos. Nele nossas entranhas exultam, nosso coração se alegra e nosso ser experimenta segurança. Ele não nos abandona na fria escuridão da sepultura ou nas curvas desoladas dos fracassos. E esta experiência da bondade de Deus não leva a uma fé quieta e impassível, mas a um testemunho corajoso e operoso no coração do mundo.
“Não era possível que a morte o dominasse...”
Deus da vida: nossos pais e antepassados na fé nos ensinaram a te chamar de pai, mas nos mostras um coração de mãe. Tu nos acompanhas nas curvas sombrias dos nossos fracassos individuais e sociais, nos confortas no aconchego do teu colo, seguras a mão e guias nossos passos incertos, abres nossos olhos para encarar a realidade, encorajas à fidelidade criativa e responsável. Vem em nosso socorro para que transformemos a fé na ressurreição do teu filho em projeto de uma vida doada sem reservas e sem condições, como o fazem anônima e generosamente nossas mães. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf
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