Felizes quem crê por causa do testemunho de outros/as.

Vivemos a mesma condição dos cristãos aos quais Pedro se dirige em sua primeira carta: nós nunca vimos Jesus, mas isso não nos impede de segui-lo, amá-lo e testemunhá-lo. Aprendemos pouco a pouco que a fé que nos possibilita ver com novo olhar e agir com novo vigor. Ver e tocar não são condições indispensáveis para crer. Imprescindível é o vínculo vivo com uma comunidade de irmãos e irmãs. Na comunidade real temos a possibilidade de estender a mão e tocar as chagas do Senhor ressuscitado, de prostrarmo-nos em humilde adoração e de dar prosseguimento à missão de Jesus Cristo, tanto de forma individual como em ritmo comunitário. E o faremos celebrando a memória de dois irmãos muito queridos: o grande educador Paulo Freire, que nos deixou há 14 anos (02.05.1997), e de João Paulo II, cuja beatificação celebramos no dia de hoje.
“A paz esteja com vocês!”
É impressionante a experiência pascal dos discípulos e discípulas de Jesus. Doía-lhes na consciência a traição, a negação, a deserção e o abandono de Jesus no caminho da cruz. A esta dor se acrescentava o medo de que a perseguição violenta por parte das autoridades judaicas e romanas se voltasse também contra eles. Buscando proteção e encorajamento mútuos, s discípulos e discípulas se reuniam a portas fechadas.
Remorso e medo não são muros que impedem a manifestação de Jesus ressuscitado. E quando ele ser este fechamento e se manifesta aos seus medrosos seguidores/as, sua primeira palavra não é de advertência ou acusação, mas de acolhida e pacificação: “A paz esteja com vocês!” Jesus lhes mostra as feridas nas mãos e no lado esquerdo, não para lamentar ou acusar, mas para assegurar que sua história concreta é importante e sua presença não é mera fantasia.
Assim, a alegria, tão característica da experiência pascal, não brota apenas da certeza de que ressuscitaremos um dia, no futuro, mas também da experiência atual e cotidiana de não sermos condenados/as, de sermos aceitos/as como amigos e amigas de Jesus de Nazaré, apesar de nossas traições e deserções. E esta experiência é uma herança que não se corrompe com o passar do tempo, é uma esperança viva. “Por isso, vocês devem alegrar-se”, escreve Pedro.
“Nós vimos o Senhor...”
Tomé não estava reunido com os demais discípulos e discípulas quando eles experimentaram a presença de Jesus ressuscitado. Quando os outros dez discípulos lhe anunciaram “nós vimos o Senhor”, sua reação não escondeu a frustração transformada em desconfiança e ceticismo: “Se eu não vir a marca dos pregos nas mãos dele, se eu não colocar o meu dedo na marca dos pregos, e se eu não colocar a minha mão no lado dele, eu não acreditarei.”
A pedra que atrapalhava a caminhada de fé de Tomé não era simplesmente uma questão conceitual ou filosófica. Faltava-lhe o sentido de pertença à comunidade. O abandono do caminho de Jesus levou-o ao isolamento, e esta separação da comunidade impedia a continuidade da missão, condição essencial para uma fé viva na ressurreição de Jesus. Seu desejo de “ver e tocar” expressa a necessidade de uma mediação concreta e comunitária da experiência de fé.
No seguinte encontro dominical, Tomé reatou os laços com os condiscípulos e seus olhos se abriram. Nos corpos concretos dos seus irmãos e irmãs, também eles marcados por feridas diversas, Tomé recordou o projeto e o caminho de Jesus Cristo, “tocou” suas feridas e acreditou. São felizes aqueles/as que alcançam a fé sem ver diretamente, apenas vendo e tocando indiretamente o Senhor que está no meio de nós.
“Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês!”
A alegria da páscoa – em si mesma sempre legítima – pode esconder um risco. Podemos ficar de tal modo envolvidos pelas imagens dos anjos e pelas palavras de paz, pela visão de um Cristo exaltado e sentado à direita do Pai e pela possibilidade da nossa ressurreição depois da morte que corremos o risco de esquecer que o mundo ainda não foi totalmente transfigurado, e que nossa missão de discípulos e discípulas continua.
Por isso, depois de afirmar que vem trazer a paz, Jesus Cristo confere claramente uma missão aos discípulos/as: “Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês”. Trata-se de continuar seu próprio trabalho de tirar o pecado do mundo. É como se ele nos confiasse a tarefa de garis ou lixeiros, daqueles que passam pelas ruas recolhendo as imundícies produzidas pela cidade. Esta é a missão de ser o “Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo”.
Este pecado tem muitos nomes e se manifesta nas diversas formas de dominação, de exploração, de discriminação, ou também na indiferença diante das vítimas destas ações. Faz parte da nossa fé na ressurreição de Jesus Cristo inscrever-se no comitê daqueles/as que se engajam voluntariamente na gestação de um outro mundo, diferente e melhor que este no qual “há tanta dor, tanto pranto”, “cruzes beirando a estrada, pedras manchadas de sangue”, “mães gritando qual loucas” por “filhos levados na noite da tirania”.
E esta missão urge, não pode ser postergada para um hipotético amanhã, para “quando tivermos tempo”. E não pode também ser terceirizada ou enviada à responsabilidade dos outros/as. Jesus Cristo nos deixa claro que o pecado que não perdoarmos ou tirarmos para fora do mundo permanecerá aqui, diminuindo e ferindo a vida de muitos. O Espírito Santo nos é dado, como o sopro que deu vida e iniciativa a Adão, para agir como Jesus, e agir hoje, já.
“Eram perseverantes...”
A comunidade dos homens e mulheres que se reuniam para continuar a memória de Jesus crucificado e ressuscitado, depois de receber o Espírito Santo, teve coragem para inovar e forças para perseverar. Mas precisamos concretizar mais: perseverar em que? No ensinamento dos apóstolos a respeito da vida e da ação de Jesus de Nazaré; na união fraterna em torno da memória de Jesus Cristo; na partilha do pão e de todos os bens; na oração e na liturgia.
Bem cedo os cristãos descobriram e ensinaram que abraçar a fé em Jesus Cristo ressuscitado instaura um vínculo estreito e real com os irmãos e irmãs, exige a partilha dos bens “conforme a necessidade de cada um”, suscita a alegria radiante frente a cada acontecimento, conduz à simplicidade profunda e cordial no modo de viver, de crer e de lutar. Crer em Jesus Cristo vencedor da morte nos leva a descobrir que é preciso perseverar no caminho iniciado.
João diz que escreveu seu evangelho como memória de alguns aspectos da vida e do ensinamento de Jesus Cristo para que acreditemos que ele é o Filho de Deus e para que, acreditando, tenhamos “a vida em seu nome”, ou seja: vivamos em nome dele, a partir dele, do jeito dele. Talvez seja este o sentido do desejo de Tomé: ver com os próprios olhos, tocar com as próprias mãos. A seu modo, os cristãos de Jerusalém conseguiram dar concretude à sua fé. E isso de tal maneira que “eram estimados por todo o povo” e atraíam novos discípulos.
“Estende tua mão e toca...”
É a nós que Jesus se dirige hoje, convidando-nos a tocar seu corpo. Nesta celebração, seu corpo está ao nosso alcance na eucaristia, mas também no corpo eclesial, nos irmãos e irmãs que estão ao nosso lado no templo e do lado de fora da igreja. Saudemos, abracemos sirvamos estes irmãos e irmãs, membros vivos do corpo de Cristo. Com eles, vivamos em paz e sejamos portadores de paz. E mais ainda: busquemos no pão pascal a força para perseverar na tarefa impostergável de tirar o pecado do mundo, começando pelos pecados que ferem e maculam a própria Igreja.
Deus, Pai e Mãe da vida: reunidos em comunidade e celebrando a memória de teu filho e nosso irmão Jesus de Nazaré, te agradecemos pelo dom da fé. É graças a ela que cremos e caminhamos mesmo sem ter tocado nas feridas de Jesus. E te pedimos que a celebração de hoje nos faça renascer para uma esperança viva e vivificadora, para uma herança que não murcha, mesmo em meio a dificuldades e provações. Faz que sejamos membros da família de Jesus Cristo a partícipes da sua missão de tirar o pecado do mundo e fazer de toda a humanidade uma só família.Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf

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