SANTÍSSIMA TRINDADE: MISTÉRIO DE COMUNHÃO, AMOR E COMPAIXÃO.

Quando dizemos que Deus é mistério estamos nos referindo a um Aonde e a um Alguém que faz com que nos sintamos em casa, estáveis e seguros; que nos supera, envolve e protege de um modo absolutamente gratuito e acolhedor; que nos arranca de nós mesmos nos abre ao outro; que nos rouba a passividade e nos põe a caminho.  Ele é mistério porque, em sua profundidade, nos espanta e, ao mesmo tempo, nos seduz e nos leva além de nos mesmos e além do tempo presente. Bendito seja o Pai, o Filho e o Espírito Santo, porque é grande seu amor por nós. Glorifiquemos o Deus que é, que era e que vem, porque nele está a fonte da vida e de todo bem. Deixemo-nos abraçar e envolver pelo Deus que se revela como comunidade de amor. Deus amou de tal forma o mundo que, no seu Filho e no Espírito, nos deu o melhor de si mesmo.
“Deus misericordioso e clemente...”
Que as palavras não nos assustem nem escondam o que há de mais precioso em Deus. Que a consciência de que ele é mistério inexplicável não nos impeça de pensar, imaginar e avançar. Se a noção mistério não tem força de sedução e não impulsiona a ultrapassar as fronteiras da compreensão, não serve para nada e, portanto, não pode ser aplicada a Deus. Dizendo que Deus é mistério, afirmanos a necessidade de não ficar nas palavras, a insuficiência dos conceitos, e não o vazio de sentido.
Não podemos agir como pescadores que se encantam mais com as próprias redes que com o mar! O mistério da Trindade não é uma questão numérica. O que importa não é a quantidade – três, quatro ou cinco! Deus não é uma equação a ser resolvida mas uma experiência de profundidade e de profundidade que nos é possibilitada. Deus é uma experiência de um Amor gratuíto que nos envolve por todos os lados, desde sempre, em todas as situações, com todos os nomes.
Quando intuiu este mistério inominável e inapreensível, Moisés “curvou-se até o chão”, prostrado pelo espanto de um abraço assim imerecido e desproporcional: descobriu que Aquele que dá sentido e substância ao nosso ser é “misericordioso e clemente, paciente, rico em bondade e fiel”, lento e vazio de cólera e punição. Moisés imaginava encontrar Deus subindo a montanha e conservá-lo na lei escrita na pedra fria, mas eis que Ele se manifestou descendo e e caminhando no meio do povo.
 “Pois Deus enviou seu Filho ao mundo não para condenar o mundo...”
Um Deus que assim se revela e se esconde não tem prazer em limitar a liberdade e as possibilidades de vida das suas criaturas. Pelo contrário, cria e recria tudo permanentemente para que a vida seja sempre mais exuberante, para que todos possam viver bem, como nos lembram os povos originários. Ele é Pai e Mãe, ou vida que está na origem. Ele é Filho, ou vida que se entrega. Ele é Espírito, ou sopro vital e permanente que suscita e sustenta.
É insuficiente e falsa a imagem de um Deus pronto a punir o menor dos desvios daqueles/as que chamou à vida. É uma parcialidade culpável e mal-intencionada ensinar que Deus “não deixa nada impune, castigando a culpa dos pais nos filhos e netos, até a terceira e quarta geração” e, ao mesmo tempo, omitir que “ele conserva a misericórdia por mil gerações, e perdoa as culpas, rebeldias e pecados”. O próprio e original na revelação judaico-cristã é o perdão e a compaixão, e não a punição.
Deus é Pai e Mãe, ou vida e amor que nos antecede, Deus antes de nós. Deus é Filho, ou vida e amor compartilhados, Deus conosco. Deus é Espírito, ou vida e amor em nós, ou Deus em nós e em todas as criaturas, ao ritmo da história. E o amor se caracteriza por chamar à vida e dar proteção, e nunca por limitar ou diminuir a vida. “Pois Deus amou de tal forma o mundo, que entregou o seu filho único, para que todo aquele que nele acredita não morra, mas tenha a vida eterna...”
 “Deus amou tanto o mundo que deu seu Filho Unico...”
Proclamando que nosso Deus é “tri-uno” estamos querendo dizer que ele não é solidão ou hierarquia, mas reciprocidade, paridade e comunhão no amor: Amante, Amado e Amor. Na Trindade se revela um Amor com rosto de pai-mãe, amor-fonte de vida; um Amor-dom com rosto de filho-filha, que é amor compartilhado e agradecido; um Amor-comunhão, com a força e o dinamismo de ambos. O Pai da tudo o de si ao Filho, no Espírito, menos sua paternidade; o Filho devolve tudo ao Pai e às criaturas, menos a sua filialidade; e o Espírito é o dinamismo vivo que suscita e sustenta este dom infinito e ininterrupto.
É verdade que dizer que Deus é Amor não ajuda muito. Esta palavra anda tão inflacionada como desgastada. Em nome dele se cometem loucuras e são feitas promessas que não duram mais que uma curta noite de verão. O amor é mais um verbo que um substantivo, e para falr responsavelmente dele devemos ter diante dos olhos o percurso histórico de Jesus de Nazaré: “sabemos o que é o amor, porque Jesus deu a sua vida por nos” (1Jo 3,16).
Suspiros românticos ou gestos de cortezia estão longe de expressar o significado do amor cristão. Amar é potencializar a vida, dar da vida pessoal e, em certos casos, dar a própria vida, como nos enisnou Dom Oscar Romero, São Luís Gonzaga (+ 21.06.1591). É isso que os evangelhos ressaltam na história de Jesus. Assim é Deus: um amor que envia; um amor que se deixa enviar e se entrega; um amor que é a comunhão entre aquele que envia e aquele que vem.
“Para que o mundo seja salvo por ele...”
No coração da melhor teologia desenvolvida pelo cristianismo está a convicção de que Deus não é um conceito a ser compreendido mais ou menos exaustivamente ou uma doutrina a ser aceita mais ou menos resignadamente, mas um mistério a ser adorado. A teologia, pelo menos a boa teologia, está a serviço da evangelização. Ou seja: a questão substancial não é compreender uma teoria mas salvar ou transformar as pessoas e o mundo.
Em Jesus Cristo, Deus se revela não apenas dizendo e ensinando algo sobre si mesmo, mas principalmente agindo, salvando: acolhendo pecadores, alimentando famintos, curando doentes, resgatando a cidadania dos excluídos. Assim, Jesus Cristo revela um Deus que não pode ser aprisionado na fria lei dos códigos de pedra ou de papel, que não assume a postura de um juiz distante e imparcial, mas um Deus que ama, que afirma o direito dos sem-direito, que age e julga em favor dos oprimidos.
Eis o caminho da Igreja, nascida para prosseguir a ação de Jesus Cristo: ser mais pastora que cuida da vida das ovelhas mais frágris e menos professora que ensina leis e doutrinas; sair do limbo dos princípios gerais e vazios e comprometer sua honra e sua influência na defesa dos grupos humanos ameaçados e explorados; engajar-se na urgente missão de salvar o mundo com a força do Evangelho e com os recursos do próprio mundo e evitar uma postura autosuficiente de julgamento e condenação.
“Sejas louvado e exaltado para sempre!”
Ao Deus Uno e Trino servimos eticamente, permanecendo no seu amor e prolongando-o criativamente. Na gratuidade despojada da oração e da celebração, vislumbramos os horizontes intocáveis da sua grandeza e dobramos os joelhos, tomados de espanto e gratidão. E então nosso louvor brota livre, belo e profundo, como uma forma estética do serviço a Deus. O verdadeiro ofício divino ou opus Dei está longe de se resumir ao recital cadenciado de velhos textos.
Daniel nos ensina a manter este louvor agradecido. Ele puxa a ladainha e pede que o acompanhemos num louvor que sabe repassar, como as contas do terço, as manifestações da bondade de Deus: na história dos nossos antepassados; nos homens e mulheres que mantêm a luta nos dias de hoje; na harmonia e na beleza do culto celebrado nos templos; na ousadia daqueles que governam e legislam com o povo e em seu nome; na grandeza do firmamento e na obscuridade misteriosa dos abismos...
“Bendito és tu, Senhor, Deus dos nossos pais!”
Deus querido e amável, Compaixão que não conhece ocaso, Abraço que não conhece limites, Comunhão que acolhe as diferenças, Amor que brilha no esvaziamento: glória a ti nas alturas celestes; glória a ti nos caminhos da história; glória a ti na intimidade das criaturas. Em ti somos, nos movemos e existimos. Tu és o ventre de onde viemos, o caminho que percorremos na companhia de tantos/as e a pátria pela qual anelamos. Ensina-nos a compartilhar o sentir e o pulsar dos irmãos e irmãs de todos os gêneros, gerações e rfeligiões. Que tua graça, teu amor e tua comunhão corram soltas nas veias das Igrejas e vençam as ameaças e punições, as leis e conceitos vazios, as hierarquizações e poderes. Assim seja!
Pe. Itacir Brassiani msf

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